Contaminação dos microplásticos afeta a Saúde Humana e o Meio Ambiente
Especialista explica impactos, riscos e caminhos para enfrentar o avanço do lixo plástico

A presença crescente de microplásticos no mar se tornou um alerta cada vez maior e urgente do século XXI. Mesmo invisíveis a olho nu, essas partículas já percorrem toda a cadeia alimentar e atingem seres humanos ainda no período gestacional. O professor e pesquisador Marcos Bumba, químico, mestre em saúde coletiva e especialista em bioplásticos destaca que o problema em si não é apenas o plástico, mas na forma que que a sociedade utiliza e descarta.
“Seria hipocrisia dizer que o plástico é ruim em todos os sentidos. Ele substitui com muita vantagem vários materiais, inclusive na medicina, e tem baixa rejeição no nosso corpo”, explicou. “O problema não é o plástico, é o uso excessivo e o descarte incorreto”.
Segundo Bumba, a cultura da praticidade transformou completamente a relação das pessoas com as embalagens. Ele relembrou os tempos em que alimentos eram pesados na hora e bebidas retornáveis eram regra. Hoje, um simples produto de farmácia, como um kit de pastas de dentes, pode carregar até três camadas de embalagem plástica.
“A gente começou a perder a mão. É plástico dentro do plástico, fora do plástico. E as pessoas simplesmente descartam. Jogam pela janela do carro, deixam na areia da praia… e tudo isso vai parar no mar”.
Esse acúmulo, somado à falta de coleta seletiva em muitos lugares, gera consequências devastadoras. Bumba explica que correntes oceânicas aprisionam toneladas de lixo em grandes redemoinhos, formando as chamadas “ilhas de plástico”, como a existente no Oceano Pacífico, uma massa flutuante do tamanho da França.
Um dos maiores ‘vilões’ que também devem ser considerados, são os interesses econômicos, sendo que toda a indústria petroquímica mundial é baseada em plástico derivado do petróleo, com lucros muito grandes, sendo um ciclo difícil de ser rompido.
O professor ressalta que os plásticos são extremamente duráveis e levam séculos para se decompor. Nesse processo lento, fragmentam-se em partículas microscópicas. “O plástico não tem microorganismos na natureza capazes de degradá-lo. Com o tempo, água e sal vão quebrando o material, formando uma massa gelatinosa repleta de microplásticos”, descreveu.
Essas partículas são confundidas com alimento por peixes, aves e mamíferos marinhos. E o efeito é fatal: “Muitos animais morrem com o estômago cheio de plástico. Já os microplásticos passam pela água e entram na cadeia alimentar. Hoje podemos afirmar que praticamente não existe peixe oceânico sem microplásticos”.
A contaminação, segundo ele, já foi identificada até nas Fossas Marianas, um dos pontos mais profundos do planeta, assim chegando nos corpos humanos, o que é um um dos maiores alertas. “Os microplásticos chegam ao nosso corpo, ao nosso sangue e até à placenta. Já foram encontrados em cordões umbilicais. Isso não faz parte da constituição do corpo humano, mas já está lá”.
Com essa chegada invisível, o impacto é inevitável e ainda há lacunas sobre como o corpo humano lida com microplásticos. “Nós não temos enzimas ou estrutura digestiva para degradar plástico. Ele é derivado do petróleo, não faz parte da nossa cadeia alimentar”, afirmou Bumba.
Água contaminada e doenças
Com experiência extensa em saúde coletiva, Bumba realizou um estudo que analisou 370 mil internações do SUS ao longo de cinco anos na Baixada Santista. Os resultados mostraram associação entre a qualidade da água e doenças recorrentes na região.
Segundo ele, há predominância de casos que afetam o sistema digestório, o sistema respiratório e o sistema circulatório. “São as três principais doenças registradas na região. E muitos contaminantes presentes na água, metais pesados, derivados de plástico, compostos orgânicos, podem contribuir para isso”.
O perigo fica mais perto do que se possa imaginar, no cotidiano de todos, como por exemplo quando raspamos a panela com a colher, tiramos um pouco de alumínio, e o alumínio vai para o cérebro, onde se acumula’’.
Os microplásticos já não são um problema do futuro e sim uma realidade do presente, com impactos diretos no meio ambiente e na saúde humana. A solução passa pela mudança de hábitos individuais, avanços tecnológicos, políticas públicas consistentes e, principalmente, responsabilidade das indústrias.
“Vivemos numa sociedade de consumo. E enquanto os dirigentes e as grandes empresas não perceberem que precisam mudar, tudo continua igual”. Ainda assim, ele acredita que a conscientização é o passo inicial mais poderoso. “O que precisamos é entender o quanto vamos usar e como vamos descartar. Todos os sistemas ambientais estão interligados. Nada some. Tudo volta para nós de alguma forma”.
